25, outubro
A Terra
Frei Antônio de Sant’Anna Galvão nasceu em Guaratinguetá. A cidade, que se localiza no estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, entre a serra do Mar e a serra da Mantiqueira, teve sua origem em uma pequenina capela erguida em louvor a Santo Antônio, pelos idos de 1630. O povoado que se desenvolveu em torno dessa capela transformou-se, em 1651, na Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá que, no correr dos anos, seria palco de importantes acontecimentos em sua vida religiosa.
Do ano de 1717, ficou guardada a lembrança do encontro, nas águas do rio Paraíba, à altura do Porto de Itaguaçu, no “termo da Vila”, da imagem de Nossa Senhora da Conceição, a Senhora Aparecida, que é Padroeira do Brasil.Pouco tempo depois, quando corria o ano de 1739, nascia na Vila, o menino Antônio Galvão de França. Seu batizado se deu na Igreja Matriz, atual Catedral, que foi erguida no lugar da primitiva capela, sempre sobre a invocação do franciscano Santo Antônio, de quem, diz a tradição, Frei Galvão herdou os dons e a santidade.
Frei Antônio de Sant’Anna Galvão foi o primeiro dos nascidos no Brasil a ser apresentado à veneração e à imitação de todos. Mais do que isso, porém, há muito sem memória estava fortemente plantada no coração de sua gente. Não apenas de seus contemporâneos, de cuja sorte participou, mas de todos que, durante mais de séculos, o consideram como alguém muito familiar e querido. Quando, em 25 de outubro de 1998, foi solenemente apresentado pela Igreja, há muito já era venerado pelos brasileiros, e seus milagres e graças eram conhecidos por todos.
A infância
Antônio era o quarto entre os dez filhos do comerciante e Capitão-mor de Guaratinguetá Antônio Galvão de França, natural de Faro, em Portugal, e de D. Isabel Leite de Barros, descendente de bandeirantes paulistas, nascida na Fazenda dos Correas, em Pindamonhangaba.
O menino cresceu no seio de uma família católica, na casa – hoje reconstruída – que se situava à esquina das antigas ruas do Hospital e do Teatro, atualmente ruas Frei Galvão e Frei Lucas. Nesse lar, a imagem de Sant’Anna, em seu oratório, costumava reunir todas as noites, à luz das velas, o Capitão-mor, sua mulher e seus filhos, para as oraçõese as novenas.
Foi certamente nessas noites de preces que o menino Antônio robusteceu sua fé e sua vocação para a vida religiosa. Narram as crônicas que, ainda criança, Antônio já sabia dar não somente atenção mas, igualmente, muitas esmolas aos pobres que o procuravam
Os estudos
Atendendo a seus dotes pessoais e a sua manifesta vocação para a vida religiosa, quando tinha 13 anos, Antônio Galvão de França foi encaminhado pelos pais para o Seminário de Belém, na cidade de Cachoeira, na Bahia.
Fundado pelo Padre Jesuíta Alexandre de Gusmão, o Seminário de Belém era então famoso pelo alto nível de seu ensino. Todavia, devido ao fechamento desse Seminário pelo retorno do Jesuíta para Portugal, Antônio, então com 16 anos, retornou para Guaratinguetá, onde não mais encontrou sua mãe, que havia falecido dois anos antes. atendendo a seu temperamento voltado à prática do bem, ingressou então no Convento Franciscano de São Boa Ventura de Macacu, em Itaboraí, na Capitania do Rio de Janeiro, onde adotou, para sua vida religiosa, o nome de Antônio de Sant’Anna Galvão, em homenagem à santa da devoção de sua família.
Sua profissão na Ordem Franciscana se deu em 1761, tendo, no ano seguinte, se ordenado sacerdote na cidade do Rio de Janeiro. A seguir, transferiu-se para o Convento de São Francisco, em São Paulo, onde foi admitido para terminar seus estudos de filosofia. na jornada que empreendeu do Convento do Rio de Janeiro para o de São Paulo, Frei Antônio de Sant’Anna Galvão se deteve em Guaratinguetá, para celebrar, na sua terra natal, “a primeira missa, a principal, para gáudio geral” de sua família e de todos que acorreram à cerimônia, realizada na Matriz de Santo Antônio, onde ele havia sido batizado. Tinha, asim, início o seu santo sacerdócio.
O Sacerdote
Um dos primeiros atos de Frei Galvão como sacerdote foi de fazer sua consagração como “servo e escravo” de Nossa Senhora, ato que assinou com seu próprio sangue na data de 9 de março de 1776. Esse episódio, dois séculos mais tarde, foi reproduzido em um quadro a óleo, de autoria do franciscano Frei Geraldo Roderfeld, que se acha em exposição no Hospital e Maternidade Frei Galvão, de Guaratinguetá.
Em São Paulo logo se destacaram os dotes de oratória de Frei Galvão, que foi eleito pregador, confessor de seculares, porteiro e confessor do Recolhimento de Santa Teresa.
Apresentou, nesses misteres, um desempenho tão destacado, que a Câmara Municipal não demorou em considerá-lo “um novo esplendor do Convento”.
Como pregador, Frei Galvão sempre demonstrou extraordinário brilho e zelo no anúncio da Palavra de Deus. Por onde andava, pelo interior do Estado e, em especial, pelo Vale do Paraíba, os vigários e os fiéis o aguardavam com ansiedade e disputavam sua presença para ouvirem seus sermões famosos. E Frei Galvão “pregava, confessava, aconselhava, atendia os doentes, deixando por toda a parte a fama de santo”. Existe uma mesa, que se encontra atualmente na Sala das Relíquias, na casa de Frei Galvão, em Guaratinguetá, vinda da igreja Matriz de São Luiz do Paraitinga, que nessa cidade foi usada por Frei Galvão como púlpito, para falar à grande multidão que acorria para ouvi-lo.
Há “quem vislumbre nesta mesinha, corroída, sinais dos pés do famoso pregador e missionário…”, fato que é documentado em livros e vem certificado por antigo vigário daquela Paróquia.
O poeta
Quando em São Paulo foi fundada sua primeira Academia de Letras, que ficou conhecida como a Academia dos Felizes, por seus dotes literários e de orador famoso, por seu amor à natureza e às letras, notadamente à poesia, frei Galvão foi convidado a dela participar. Por obediência ao fundador da Academia, que era o Morgado de Mateus, que então governava a Capitania de São Paulo, Frei Galvão aceitou o convite.
Na segunda sessão literária, realizada em março de 1770, Frei Galvão declamou com sucesso, em latim, dezesseis peças de sua autoria, todas dedicadas a Sant’Anna, além de dois hinos, uma ode, um ritmo e doze epigramas. São composições bem metrificadas segundo as regras clássicas, e repassadas de profundo sentimento religioso e patriótico
Mosteiro da Luz
Uma das grandes realizações de Frei Galvão foi a construção do Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da Luz, erguido a partir de uma capelinha quinhentista. A história desse convento, iniciado em 1774, viria a se confundir com a própria vida de Frei Galvão.
Para angariar os fundos necessários à construção do Mosteiro, que é atualmente um dos mais importantes documentos vivos do passado colonial paulista, nosso Frade iria percorrer, quase sempre a pé, todo o território paulista conhecido na época.
A Frei Galvão, como arquiteto, deve-se um documento tão interessante quanto importante: trata-se do frontispício da Igreja da Luz, riscado – e ainda existente – na parede de taipa de sua cela, no mosteiro. Mas a obra de Frei Galvão se estende muito além da arquitetura do prédio. Ela se faz presente notadamente na orientação espiritual dada às primeiras Irmãs, e na criação do Estatuto da Ordem Concepcionista, onde “se entrelaçam o carisma franciscno e o ideal concepcionista”.
Na igreja do Mosteiro da Luz, que se localiza na atual Avenida Tiradentes, nº 676, na capital paulista, está o túmulo de Frei Galvão, aí falecido a 23 de dezembro de 1822, com fama de santidade. Esse túmulo é visitado diariamente por seus inúmeros devotos, que sobre ele deixam os pedidos e as flores de agradecimento pelas graças alcançadas.
A obra monumental edificada por Frei Galvão há mais de dois séculos continua, entretanto, a se expandir até os nossos dias, com a fundação de outros vários conventos.
Datado de 1811, foi erguido em Sorocaba, sob as vistas do próprio Frei Galvão, o Recolhimento de Santa Clara. Em Guaratinguetá, vewm de 1944 o Mosteiro da Imaculada Conceição, que até nossos dias segue despertando vocações.
Localiza-se atualmente nas proximidades do Seminário Seráfico Frei Galvão, da ordem franciscana. Também no Vale do Paraíba, em Taubaté, fica o Mosteiro da Imaculada Conceição de Santa Beatriz.
Thereza Regina de Camargo Maia – Diretora do Museu Frei Galvão