Mães relatam humilhações e agressões físicas na hora do parto

Violência obstétrica é realidade que precisa ser denunciada, garantem os conselhos regionais de Medicina e de Enfermagem
28/08/2018 - 10:12 - Cidades

Por João Victor Ramos Estadulho, acadêmco de Jornalismo

Recusa de atendimento, agressões verbais, tratamento humilhante, privação de acompanhante e realização de procedimentos médicos não necessários. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essas são algumas das características que configuram a violência obstétrica. O termo assusta, mas faz parte da realidade de mulheres gestantes.

Ainda segundo a OMS, a violência obstétrica acontece durante o parto e o pré-natal. Ela pode ser cometida através de uma agressão física, psicológica ou verbal. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, de São Paulo, revelou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência antes e durante o parto.

A funcionária pública Silvana Leonel, de 35 anos, mãe de três filhos, relata que recebeu orientações estratégicas da própria mãe para não ser agredida pelas enfermeiras no momento de seu primeiro parto. “Ela insistia que eu não podia expressar a dor que eu estava sentindo, porque quando o médico deu o primeiro toque na hora do meu nascimento, ela sentiu muita dor, e ouviu da boca dele essas palavras: “na hora de ‘dar’ não doeu”. Então ela não queria que eu passasse por tudo aquilo que ela passou”, argumenta Silvana explicando que em seus três partos sempre chegou à mesa de cirurgia quieta, embora sentisse muita dor.

No entanto, em seu segundo parto o médico obstetra realizou, segundo ela, um procedimento não necessário. “Eu tinha dilatação, a minha filha ia nascer de parto normal, o tamanho da cabeça era pequeno, e mesmo assim o médico deu um pique (corte), sem necessidade. Doeu muito e levou dias para cicatrizar. Depois eu percebi que ele fez aquilo para a minha filha nascer mais rápido e ele poder atender logo a fila de mães que estava para ganhar neném”.

Humilhações e agressões

A auxiliar de creche, Carolina Machado, de 30 anos, também sofreu violência obstétrica. Ela afirma que as  dores do parto das gestantes são vistas pelos médicos e enfermeiros como frescura. “Na hora de fazer o exame de toque, a médica era bem delicada, atenciosa, mas as enfermeiras ao redor diziam: “Ah, marinheira de primeira viagem tem essa frescura mesmo. Tem que aguentar. Tá gritando? Na hora lá gostou e agora tá gritando de dor, pensa que é fácil? Na hora de revirar os olhos, você aguentou, e agora não tá aguentando. Rapadura é doce, mas não é mole. ”, relata.

Carolina afirma que os profissionais de saúde, que atuam durante o parto, consideram as agressões às gestantes totalmente normais. “Nem todos, mas a maioria tem prazer em ver aquele sofrimento seu e ficar tripudiando. Eles acham que você tem que sentir dor e não aceitam que naquele momento você está vulnerável. Você vai fazer o que? Reclamar, obviamente. Não dá pra ficar sorrindo.”, declara revoltada.

Fiscalização

Para o Presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-MS), Sebastião Duarte, que é especialista na área obstetrícia, a violência obstétrica precisa ser denunciada a algum órgão de controle ou ao próprio Coren. O profissional denunciado é submetido ao artigo 64, do Código de Ética e pode receber multa, ter os direitos profissionais suspensos, ou ainda ser cassado.  “Para prevenir esse tipo de violência, são promovidos cursos de conscientização e capacitação para os técnicos e enfermeiros. ”, garante Duarte ao afirmar que também são direitos da mulher a escolha do acompanhante, a posição do parto e o tipo de parto que quer realizar, este só não ocorre em casos de urgência extrema. A mulher também tem direito a ambiência, e anestesia.

Procurado, o Conselho Regional de Medicina garante que avalia 100% das denúncias recebidas, e que os profissionais passam por julgamento. Caso a violência seja provada, os agressores são devidamente punidos de acordo com as normas do Código de Ética da classe. Em entrevista, o conselheiro do CRM-MS, Juberty de Souza, especializado na área, afirmou que o índice de denúncias que o CRM-MS recebe é baixo, mas não informou a quantidade.

A enfermeira obstetra e doula, Simone Albuquerque, que trabalha na área há 20 anos, admite que há falhas por parte dos enfermeiros e médicos. Segundo ela, em Campo Grande, os médicos já estão respeitando e ouvindo mais as mulheres. “Só os médicos mais antigos que estão dando um pouquinho mais de trabalho porque eles não aceitam. Eu já presenciei um parto em que o médico falava: “Não grita. Cala sua boca, quem manda aqui sou eu. ” Eu saí muito decepcionada dessa sala de parto, com muita dor de cabeça porque
achei horrível. Não só o médico, como a equipe de enfermagem também não respeita a hora da mulher. Chega lá, a mulher está se concentrando, e os profissionais de saúde gritam com ela. Como eu estou ali como doula, não posso falar, mas aquilo me dói. Quando todos saem da sala, eu tento amenizar
um pouco o que elas passaram. ”, declara.

Legislação

Em junho, o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul sancionou uma lei que regulamenta o atendimento e protege as grávidas. De acordo com a norma, os estabelecimentos hospitalares deverão expor cartazes informativos contendo as condutas que são consideradas violência obstétrica. Os cartazes devem informar os órgãos e os trâmites para denúncias nos casos de violência. A lei entra em vigor no prazo de quatro meses após a publicação no Diário Oficial do Estado, que foi feita em 27 de julho de 2018. Portanto, terá validade a partir de 27 de novembro de 2018. 

O que diz a nova lei

  • A legislação de MS considera como violência obstétrica as ofensas verbais e físicas, como:

  • Tratar a gestante de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido;

  • Fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas;

  • Fazer graça ou recriminar a mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação e outros.

  • Não ouvir as queixas e as dúvidas da mulher internada e em trabalho de parto;

  • Tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz;

  • Fazer a gestante ou a parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se faz necessária, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos que alcançam ela e o bebê;

  • Recusar atendimento de parto