Pesquisa com plantas e animais pantaneiros pode resultar em antibióticos inovadores

23/12/2015 - 9:00 - Mestrados e Doutorados

Fonte: Silvia Tada

Veja as últimas notícias da UCDB para você que está interessado em Mestrados e Doutorados

 

Ao observar a exuberância da natureza do Pantanal sul-mato-grossense, turistas se encantam com a riqueza da fauna e da flora convivendo harmonicamente. Pesquisadores, no entanto, enxergam mais longe e se perguntam: por quê? Por que plantas são mais resistentes às intempéries que outras? Por que alguns peixes têm poder maior de regeneração celular? Como esses efeitos podem ser reproduzidos para o bem da humanidade?

Capitaneados pelo professor da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Dr. Octávio Luiz Franco, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq - Nível 1B, cerca de 240 pesquisadores do mundo todo trabalham analisando plantas e animais do Pantanal em busca de compostos que possam originar novos fármacos, em especial antibióticos contra infecções pulmonares. Esses cientistas estão ligados a instituições de Mato Grosso do Sul e também de países da Ásia, África, América do Norte e Europa.

São duas frentes de trabalho: um grupo pesquisa as plantas, e outro, os animais pantaneiros. Em dois anos de estudos, cerca de 20 espécies da flora foram testadas, com resultados positivos para três delas: Alibertia eduli, Genipa americana e Palicourea rígida. Entre os animais, duas espécies de arraias apresentaram resultados promissores em diferentes amostras teciduais. E há, ainda, pesquisas envolvendo anfíbios e répteis.

“Todas elas têm funcionando bem contra bactérias resistentes, do tipo KPC. Então, estamos extraindo e buscando moléculas que sejam aptas a controlar essas bactérias. São resultados muito animadores. Nas arraias, temos uma espécie que possui uma secreção que tem propriedades farmacológicas e podem servir como antibióticos e cicatrizantes”, detalhou Octávio.

O pesquisador explica que, com base na medicina popular, muitas propriedades das plantas já eram conhecidas. Os cientistas, no entanto, trabalham com o isolamento de cada um dos componentes encontrados no caule, folhas, flores, frutos, sementes e pedúnculo para potencializar a atividade sem causar efeitos colaterais. “Na cultura popular, usa-se o extrato dessas plantas, o que não é recomendável pelas consequências que ainda não foram estudadas e definição da concentração correta. Pode funcionar, mas também pode fazer mal. O que buscamos é também a repetibilidade, isto é, na natureza, se houver uma mudança climática, a planta pode reagir de determinado jeito e mudar algumas propriedades, havendo uma oscilação. E, para fazer um remédio, é preciso ter um padrão”.

Adversidades do Pantanal

O regime de cheia e seca no Pantanal, o tempo seco e a incidência de queimadas no Cerrado — as condições climáticas em geral que atingem esses dois biomas — atraíram os pesquisadores para as espécies de plantas e animais mais resistentes, já que, para sobreviver, precisaram se adaptar, e isso faz com que tenham um pool de compostos diferentes.

“É um atrativo incrível e pouquíssimo explorado. No caso das arraias, nunca ninguém tinha se atentado a estudar o seu veneno. Nós percebemos que, quando elas tinham ferimentos causados por piranhas ou outros ataques, cicatrizavam muito rápido. Além disso, não tinham marcas de infecção — o que é muito anormal. Se você tem uma ferida aberta, certamente terá uma infecção bacteriana, e percebemos que isso não acontecia. A mesma coisa acontece quando alguém é ferido por uma arraia. Diminui-se a formação de microfibras para a reconstituição do tecido, mas não há nenhum tipo de infecção: é sempre o efeito direto sem o efeito indireto. A partir daí, começamos a estudar e vimos uma séria de compostos que podem servir como antibióticos”, explicou Octávio Franco.

Saiba como é o procedimento de isolamento dos componentes e testes contra bactérias

 

Serpentes e anfíbios

Na mesma área de pesquisa, o professor Dr. Ludovico Migliolo orienta cientistas que estudam o efeito de toxinas provenientes de serpentes e anfíbios. “Quanto mais venenoso, mais interessante para nós. Pretendemos usar essas moléculas das toxinas para desenvolver um novo fármaco, que pode ser um antibiótico, uma vacina ou um kit de diagnóstico”, explicou.

Ludovico explica que uma nova frente de trabalho iniciou-se com o objetivo de pesquisar larvas de moscas necrófagas encontradas em carnes bovinas e suínas em decomposição. “São insetos que estão em um ambiente tão hostil, contaminado, e que estão sobrevivendo. Então, vamos analisar quais as características que existem neles e se há algum uso farmacológico”.

De acordo com os cientistas, os animais têm apresentado resultados mais animadores contra bactérias que as plantas que, por sua vez, são melhores contra fungos. “Mas, como existem essa duas vertentes, acredito que a natureza ainda vai me surpreender”, acredita Octávio Franco.

Como as pesquisas tornam-se produtos para o mercado?

 

INCT

Para trabalhos tão extensos e complexos, as parcerias e intercâmbios entre pesquisadores e instituições   devem acontecer. Na UCDB, são cerca de 20 pessoas ligadas aos programas de Mestrado em Biotecnologia e Mestrado e Doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade Agropecuária, além dos cursos de graduação, como Ciências Biológicas, Farmácia, Agronomia, Medicina Veterinária, Educação Física, Engenharia de Computação, entre outros.

As parcerias no Estado acontecem com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Uniderp-Anhanguera. O trabalho também recebe o apoio da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), que financia bolsas e reagentes para a continuidade das pesquisas.

“Usamos equipamentos de outras Instituições a que não temos acesso aqui, ou pedimos para analisar certos dados. Cada parceiro nosso tem uma expertise. Busco parceiros que façam coisas que eu não saiba fazer. Hoje, tenho um parceiro (Dr. Cesar Andrade) em Pernambuco na UFPe, que está me ajudando a criar um novo cateter usando compostos que descobrimos. Ele é físico e ajuda a colocar esses compostos na superfície do plástico e silicone, e eu nunca conseguiria fazer nada disso. Mas ele consegue”, afirmou Octávio.

Todo esse intercâmbio pode resultar na criação de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), cuja solicitação já foi feita ao Ministério da Ciência e Tecnologia, ao CNPq e à Fundect. Se aprovado, será o primeiro de Mato Grosso do Sul. “Elencamos um total de 240 pesquisadores já envolvidos. Fazemos intercâmbio, eu vou para os locais para analisar dados ou encaminho amostras, ou recebemos alunos. Temos, por exemplo, alunos de Gana, de Portugal, da Índia, todos pesquisando compostos naturais provenientes do nosso laboratório”.

As instituições estrangeiras participantes incluem a University of British Columbia (Canadá), University of Queensland (Austrália), Universidad de La Habana (Cuba), Massachusetts Institute of Technology-MIT (Estados Unidos), Universidade de Hong Kong (China), The University of Liverpool (Inglaterra), Universidade de Lisboa (Portugal), entre outras.